sexta-feira, 29 de junho de 2007

O quebra-cabeças

Entreouvido com impacto pelos quartos corredores e quintais da vida;

- O menino vai ser escritor.
- Como assim Otavio? Porque diz isto.
- E pra que não dizer, ele vive contando historias.
- Não leve tão a serio.
- Quem não ta levando a serio é a Mônica.
- Ela é mãe Otavio. Você espera o que?
- Não estou falando como insulto mas chega a ser ate uma falta de respeito. Somos os avos dele. Ate pra nos não tem uma verdade. Ele daria um bom escritor. Logo agora lhe perguntei como tinha conseguido chegar em casa tão cedo. Ele me contou uma historia tão detalhada de como ele tinha ganhado permissão por seus feitos acadêmicos e por isso tinha sido liberado para cursar o que quisesse e quando quisesse que quase cai na dele. Se não tivesse só nove anos teria até acreditado...


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- Não acredito. Mônica nosso filho não sabe contar uma verdade.
- Calma amor não se aboreca.
- Não estou aborrecido. Pra ser franco estou impressionado. Ele cria mundos tão complexos e fabulosos que ate quero acreditar. Inclusive a única maneira que sei que esta mentindo e porque tudo se encaixa tão bem.
- Ele é sô um menino.
- É mas um dia será homem. E ai? O que fará da vida. Ele parece que se perde nas próprias mentiras. Vive uma mentira!
- Mas são boas não são?
- Isso não contesto....

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- Eu chamei os senhores aqui para falar sobre o comportamento de seu filho.
- As notas estão caindo doutor?
- Sim mas é pior que isso. As notas estão baixas mais eu acho que este não é o colégio para o seu filho.
- Como assim? Ele esta sendo expulso? Eduardo meu deus ele esta sendo expulso.
- Calma amor. Professor meu filho esta sendo expulso?
- Não senhor. Senhora desculpe deixe eu explicar melhor. O seu filho tem um talento nato. Ele tem uma capacidade de usar a criatividade para alterar a verdade que me assusta. Se fosse os senhores botaria ele em algum lugar que ele possa cultivar isto para o bem dele.
- Que tipo de lugar professor?
- Eu sugeriria uma escola virada para a arte. Talvez a literatura...


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Quando a caneta do menino tocou o papel pela primeira vez ele tinha nove anos. Mas ainda tinha sangue muito quente para dedicar ao tempo necessário enfrente ao papel. Não voltou a escrever ate os vinte três. Mas cada palavra, cada mundo que criava beirava à perfeição que todos nos desejaríamos vivenciar. A única coisa que nunca fez, nunca conseguiu fazer foi aperfeiçoar o mundo em que vivia.

domingo, 3 de junho de 2007

Dois Gregos

Mais de quinze anos separados pela discordância filosófica que unificou os dois, Aresto voltou à porta de seu velho amigo. Pauto teria sido seu professor por muitos anos até que o intelecto nato e a tutoria de Aresto os igualou. Por anos as conversas duraram horas e as brigas ainda mais. E a interação os fazia contentes. Quando finalmente a discussão chegou à essência do homem, as diferenças fundamentais não permitiram que a interação continuasse. Mas agora uma década e meia mais tarde, no interesse de seu pai, a filha de Pauto teria chamado Aresto para conversar com ele. O velho só assistia televisão o dia inteiro. Quando entrou no quarto Aresto nem foi cumprimentado, como se fosse esperado. Mas os sensos de Pauto estavam intactos.
- Não tenho nada a dizer a você.
- Bom dia pra você também Pauto.
- Eu não vou conversar com você.
- Mas você poderia pelo menos me olhar.
- Estou ocupado.
- Tão ocupado que não pode nem prestar atenção em minhas palavras? Você que adora palavras, e tem tanto prazer em discutir semântica?
- Não tente me enganar Aresto. Você esquece que minha voz já foi mais alta que a sua.
- Talvez. Mais a minha repercuou o mundo.
- Vai ser cheio de si assim na casa de sua mãe. “Minha repercuou” ... se Narciso não tivesse existido você seria um deus grego. Seu ingrato.
- Não, ingrato não. Se fosse ingrato não estaria aqui agora. Soube que você se trancafiou aqui neste quarto. Tirou até a cama , e só fica assistindo televisão.
- E você veio aqui pra me falar o obvio? Eu acho que não. Eu acho que você veio ver se eu tinha descoberto algo novo. Mais alguma coisa que poderia roubar de mim e usar.
- Você esta maluco! E por que assistir esta merda? Você não sabe que esta é a maior forma de controle sobre a mente possível? Que só faz afogar o individuo?
- E o que você sabe sobre o individuo? Fascista.
- Calma Pauto.
- Calma nada, não pretendo aprender filosofia de um charlatão.
- E eu não pretendo te ensinar.
- Então porque esta aqui? Pra me falar que a televisão é o maior instrumento de promulgação e controle das massas. Que a morte da sociedade clássica nasceu com ela e que ajuda a piorar o paradoxo entre o individuo e a sociedade, uma vez que o individuo precisa dela para se auto definir mas a sociedade mata o individuo. E que esta idéia nasceu com os estudos culturais e os aparelhos de mídia cultural? Bom, não precisa. Eu sei tudo isto. Inclusive fui eu que te ensinei tudo isto.
- Eu não vim pra isto. E nem concordo com isto. Não existe nenhum paradoxo nisto. É uma simbiose necessária. Nem acredito na morte da sociedade. O que vim te falar é para parar de se esconder aqui. Olha pra lá. Uma janela. Uma simples janela. Lá fora tem um mundo. Arvores. Pessoas. Crianças.
- Aresto. Você não sabe o que é minha cabeça. Não pode pretender agora me ensinar o que é viver. Eu passei minha vida inteira ignorando o mundo para analisar-lo. Eu li, escrevi, pensei, sofismei. Não sei mais o que é quebrar estes hábitos. E pior, não posso exercê-los.
- E porque não?
- Você conhece a historia de Prometeu? O mortal que roubou o fogo dos deuses e trouxe para o povo. O fogo era a luz, a luz que ele trouxe ou o esclarecimento foi a razão de todos os problemas do mundo. O conhecimento foi o que o escravizou.
- É mais ou menos isto. Mas você esta esticando um pouco.
- De qualquer maneira, o que quero dizer com isto é que o mundo me dói. Não consigo mais assistir estas coisas que me doem tanto.
- Como te doem?
- Eu sei o sofrimento que aquelas pessoas vão passar ou estão passando. Eu sei que aquela arvore não vai ficar ali. Vai ser cortada. E com isso não tenho a coragem de a olhar. Nesta televisão eu sei que por mais ridícula que seja a maioria das coisas vão terminar felizes. É uma ficção, mais pelo menos não sofro com ela.
- Mais você é um homem de ciência Pauto, como pode viver assim se enganando?
- Você nunca me entendeu. Eu não sou um homem de ciência. Você é. Eu sou um homem de necessidade. Queria sempre entender o mundo para melhorar-lo. E as teorias que você criou, as que repercutiram o mundo, eu as pensei, mas descartei. Elas não deram em nada. Por isso temos a televisão.
- Não entendi. Quero dizer entendi o insulto. Mas não o resto.
- Não te ofendi. Só quero dizer que a televisão só tem sucesso porque o mundo é imperfeito. Só por isso que corremos para nos esconder na ridicularidade da televisão.
A conversa assim foi por horas. Os dois como antigamente debatendo e tentando provar suas convicções. E depois de vários insultos e brigas o destino os forçou a encontrarem um meio termo. Ao sair Aresto tinha quebrado a televisão. E Pauto, pos o que restava da moldura da tela em volta da janela.

 
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