terça-feira, 30 de outubro de 2007

Amir-Amor

Quando falam sobre o amor penso em um caso esquisito. Mas tenho que avisar de cara que não se trata de o amor entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens, ou entre duas mulheres. O amor em que penso desenvolver aqui é algo mais puro e mais forte. Trata-se de um amor que não pode ser desconfiado, nem tirado. Um amor tangível incapaz de ser devolvido.

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Amir cresceu em um pequeno vilarejo nas margens de Teerã. Sua família, empobrecida com a entrada do jovem Shah, manteve e cultivou no rapaz a cultura que vinha adquirindo a anos. Antes da absolvição do velho Shah eram donos de terás e produtores de óleo de palmeiras. Após a queda foram forcados a trabalhar vendendo itens de segunda mão. O pai de Amir, rezava todos os dias que algo mudaria para sua família. Com dois filhos e cinco filhas ele não tinha mais condição de sustentar a família. Teria gasto todo centavo que economizou a vida inteira para comprar as pequenas necessidades. Mas o fim estava prestes a chegar.
Na noite em que Amir foi convidado a viajar pra Londres com desconhecidos que fugiam da ditadura, o pai não pensou duas vezes, botou o filho no banco de trás do carro e ao sussurrar algo em sua orelha fechou a porta.
Londres. Cidade de sonhos para um jovem do terceiro mundo. Se não fosse a cara de sofrimento do menino e a compaixão da mulher, Lina, Amir continuaria naquele mercado suando as poucas moedas que sustentavam a família. Mas o casal que tirou Amir de Teerã não tinha situação organizada para o rapaz. Nem pra si mesmos. Após conseguir um visto através de um conhecido no ministério de relações internacionais do Irã, mal fizeram a mala.
Com sorte conseguiram um lugar para ficar e os serviços sociais logo acertaram a situação para que Amir pudesse começar seus estudos. Ao espanto de todos aprendeu a falar Inglês em pouco tempo.
Dia e noite o rapaz estudava. Lia tudo que conseguia. No final do primeiro semestre pulou um ano inteiro ao conselho dos professores. O rapaz desenvolveu sua aptidão preternatural por economia ainda na segunda serie. E cada vez que se sentia perdido em algo, lia três livros no assunto imediatamente. Não demorou muito para ser convidado a estudar em uma faculdade Ivy league.
Um ano depois se apaixonou. Apesar de casado com um filho e trabalhando para sustentá-los continuou estudando. Cinco anos depois o mercador de Teerã saiu da faculdade com um Masters em economia internacional e um Minor em classics. Chegou em casa e com poucas palavras avisou a sua mulher que estariam voltando para Teerã dentro de um mês.
O pai, vendo o filho entrar na casa que tinha preservado apesar de perder todo o resto, vestiu um sorriso ligeiro.
– Bom dia filho.
– Bom dia pai.
Amir viveu o resto de sua vida como um professor. Ensinava de dia, de noite, até de graça. Mostrava e guiava. Não se contentava com quem não quisesse aprender. Mas tinha todo segundo para alguém que se esforçasse. Durante seus anos como professor inundou o currículo com seu conhecimento de literatura, cultura, e conhecimento geral. Em todo este tempo nunca esqueceu o que o pai tinha dito no mercado de Teerã.
Aquele dia no mercado as palavras do pai foram simples e calmas. Tinha dado ao filho um caminho a seguir e a coragem para segui-lo. Foram as mesmas palavras que Amir usou no dia em que seu primeiro filho viajou para os Estados Unidos;
– Esta viajem te levara a conhecer coisas que não existem aqui. Boas e ruins. Você descobrirá novos mundos. Mas não se esqueça que você é Iraniano. Os seus avos nasceram nesta terra. Os avos deles também. E você nunca terá um lugar próprio neste mundo se não for aqui. Estou te mandando para fora com o dever de aprender com suas experiências. E espero que a vida o traga de volta algum dia, para se reunir com sua família e ensinar os que não podem sair.
O Amor que Amir teve foi algo alem do amor entre um homem e uma mulher. Não continha as subjetividades implícitas no amor a primeira vista. Nem a complacência do amor eterno. Amir amava sua própria cultura. Sua pátria. A idéia de ser de onde ele era. Algo que não podia ser dado a ele. Não podia ser ensinado nem comprometido pela vida de fora. O amor de Amir foi puro e de dentro. Nunca se comprometeu por outros amores. Foi um amor real.

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