quinta-feira, 10 de maio de 2007

Dona Hilda e o Jogo

Ao encontrar as portas do bingo arpoador fechadas, Hilda respirou em derrota. Apos anos de vida tinha aprendido a viver com perda. Perdeu o marido, a juventude, a vista, os ouvidos e mais recentemente o gato. Inclusive estava ficando esclerosada como teria notado. A única coisa que restava à senhora eram o Bingo e as taças de vinho com o jantar. Pelo menos ate então. O que faria agora? Oitenta e dois anos eram demais para aprender um novo esporte. Academia, ha! Nem morta. Ate que a idéia finalmente surgiu em sua cabeça- Pois o jogador é um atleta persistente- de jogar nos caca níqueis.
Como faria isso? Durante os próximos dias a vergonha de entrar num boteco foi desaparecendo. Ao olhar o boteco em frente de sua casa tentou varias vezes entrar mas sempre passava uma das senhoras da igreja e viam ela. Depois de horas de falar abobrinha decidiu pegar um táxi para a zona norte onde não seria flagrada.
Chegando no boteco o taxista perguntou se era aquele lugar mesmo, pois Dona Hilda estava vestida como qualquer senhora de um certo nível da zona sul, ate de chapéu. Entrou no boteco e viu que a maquina só aceitava notas de um real. Dona Hilda só tinha de Cem. Com demasiada educação para o local pediu troco ao ‘barman’ e lá se foi.
Teria sido uma salvação para ela não fosse a operação da PM que atingia especificamente aquele boteco. A velha olhando mal via as figuras entrando no boteco, mas conseguiu ver as armas que carregavam.
- Valha me Deus!
Saiu correndo mas tropeçou e caiu desmaiada em frente as maquinas. As moedas e notas foram se espalhando pra lá e pra cá.
Os dois detetives comandando a operação olharam pra ela e um disse pro outro;
- Que coisa triste, uma velhinha aqui dentro.
- Triste? Quem você acha que esta velhinha é ? Pois eu te digo. Vestida assim, com todo este troco nas mãos, e tentou correr... é a própria Bicheira!
Quando finalmente acordou dona Hilda estava numa cela de batalhão deitada no chão. Se levantou com nojo, e pensou – Ih! Puta merda, agora você consegui Hilda acordou numa cadeia.- Desorientada e sem idéia de como tinha chegado lá, simplesmente se ajeitou no espelhinho e sentou com as pernas cruzadas esperando alguém vir. Os detetives no outro lado do espelho de interrogação comentavam;
- Olha a frieza dela. Esta vai ser difícil de quebrar. Não fala nunca.
- Porque você diz isto?
- Viu como acordou parecendo que nem se importava com a prisão. Simplesmente ajeitou o cabelo e senta ai como uma pedra.
- Quando vamos falar com ela?
- Esperaremos um pouco, vamos deixar ela começar a suar. Deixemos que ela precise de algo assim podemos ter uma vantagem quando conversando.
Dentro da cela as horas passavam e Dona Hilda ficava imóvel, ate dormindo as vezes sentada como tinha aprendido a fazer com os anos. Os detetives por outra mão estavam apertados para ir ao banheiro, com fome e sede e não agüentavam mais. Entraram já enfuriados na sala.
- Então você acha que jogo não é um problema?
Hilda acordou abruptamente e meio bêbada do sono respondeu
- Não tem nada errado com o jogo. O único problema são aqueles burocratas idiotas fechando os Bingos.
- Ah então você defende os bingos também, Você tem parte neles?
- Meu filho eu tenho parte neles sempre que posso.
- Qual deles?
- o do Arpoador.
- Eu sabia. Sabia que você não era uma qualquer.
Dona Hilda se ofendeu. Apesar de não ter idéia nenhuma de quem ele era e onde estava ou do que estava se falando defendeu seu caráter com uma lagrima no olho;
- Eu não sou uma qualquer não. Eu tive uma vida muito ativa. Criei, lutei, e consegui ser sucedida. Tive dificuldades. Todos nos tivemos. Mas hoje sou orgulhosa de ter vencido os maiores obstáculos.
Na outra sala de novo os detetives se davam parabéns. Tinham pego uma grande chefe de quadrilha admitida. Era promoção para todos. Arranjaram as burocracias e logo a senhora estava no tribunal. Lá apos vexames, rebaixamentos e ate demissões, Dona Hilda voltara a sua casa onde apos alguns dias nem se lembrava mais do ocorrido.
Se levantou normalmente apos o almoço, botou comida para um gato que não existia mais e prosseguiu ao bingo arpoador onde não ao maior espanto, entrou e jogou a tarde inteira.

4 comentários:

Beatriz disse...

Boa essa! Me apaixonei pela dona Hilda.

Alunos de REDAÇÃO JORNALÍSTICA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Pedro... vc tem uma mente brilhante... suas crônicas, suas idéias... todas com um toque de humor e inteligência interligados...
Eu notei isso hj na aula de português... tipo, eu ñ conseguia parar de rir um minuto do seu lado, vc é muuuuiiiiittttooo divertido...
bjosss... Rosana Vitoriano
"obs: agente se vê na aula do Carlos Roma... rsrrsrsrsr"

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
 
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