terça-feira, 10 de abril de 2007

" O "

Recentemente assistí um programa sobre o desenvolvimento da fala. Desde então refleti muito sobre a vida do homem selvagem. Especificamente, imagino a cena dos homens pre-históricos que decidiram abandonar suas cavernas para a vida no campo. Imagino se deram qualquer importância à formulação das primeiras palavras que substituíram os ruídos com qual se comunicavam. E apesar das línguas do mundo terem evoluído com tanta complexidade que permitem que uma palavra como “independentemente” seja formada, alguns ruídos perseveraram até hoje. E alguns desses ruídos pequenininhos quase minúsculos incitam efeitos de proporções gigantescas. Tal é o caso do “ó” que destruiu a harmonia na minha família.
O “ó”, um ruido que potencialmente serviu para conseguir a atenção de uns ou expressar alegria de outros, ainda hoje pode servir para muitas coisas. O comando “olha ali”, ou “preste atenção” etc. Mas quando minha vó o usou uma noite durante o jantar a intenção não foi nada tão pacifico.
Tudo começou num jantar onde meu avo tinha convidado seu melhor amigo Ernesto para jantar conosco. Enquanto jantava ele conversava com Ernesto sobre sua família e o orgulho que tinha de seu trabalho por eles. Mas minha vó que tinha que ser o centro das atenções sempre, nao permitiu seu display de orgulho.
- Ernesto, posso te dizer que o maior prazer que tenho nesta vida são meus filhos e netos.- Ele nos introduziu por nome como costumava fazer.
- Otávio (meu avô) você tem uma família linda. E que netos preciosos. Você realmente merece.
- Eu não contestarei isso. É verdade. Trabalhei tanto, e me dediquei tanto para eles que acredito que mereço agora ver eles todos crescerem em paz.
-Ó- soltou minha vó do outro lado da mesa. Como se tivesse escapado mas de proposito.
- O que foi Gilda?- perguntou meu avô, com sua cara ficando vermelha.
- Até parece que você deu duro. Eu que alimentei, criei, lavei roupa, cozinhei, você não fez nada. -
Este tipo de argumento da minha vó era comum apesar dela ter baba, cozinheira, empregada e todos os luxos disponíveis para uma família ela sempre menosprezava o trabalho dele. E ele sempre caia no argumento, por isso todos nos ficamos espantados quando a cara dele caiu. Mas nenhum de nos ficou tão chocado quanto minha vó, quando ele virou e disse
- Ah Gilda, vai a merda! Já que você é tao guerreira pode ficar com esta vida.-
Quando ele saiu pela porta foi a ultima vez que o vimos. Naquela época não entendi muito bem o que tinha acontecido mas pela cara do senhor Ernesto que estava congelado com uma colher de sopa suspendida no ar enfrente a sua boca, eu sabia que nao era nada bom. E hoje após muita consideração vim a conclusão que foi aquele pequeno “ó” que quebrou as costas do camelo, como dizem.
Ó. Uma palavra tao pequena com efeito tão poderoso. Quem não viveu um momento desses nao deve nem acreditar. E é difícil mesmo ver como as vezes o menor barulho ou ate um olhar pode entregar um bofetão tão grande. Penso nestas coisas esquisitas com frequência. E enquanto penso nisso tenho que duvidar se nao foi um próprio “ó” que fez o homem sair andando da caverna.

Um comentário:

Paulo Borchert disse...

Pedro, achei muito legal sua ideia do blog. Achei sua crônica muito legal! Tenho quase certeza que o Novaes vai comentá-la na terça feira.
Parabens
Paulo

 
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